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É noite: sobre os telhados de novo
Se perde o rosto redondo da Lua.
Ele, o mais ciumento de todos os gatos,
Olha enciumado para todos os amantes,
O pálido e gordo «Homem da Lua».
Arrasta o seu cio furtivo pelos cantos mais escuros,
Espreguiça-se encosta-se a janelas entreabertas,
Como um frade lascivo e anafado anda
De noite, atrevido, por caminhos proibidos.
Friederich Nietzsche in Assinar a Pele, Antologia de Poesia Contemporânea sobre Gatos, organização de João Luís Barreto Guimarães, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001
Dionisius, mosaico de Pela
Durante muito tempo, a disciplina histórica desdenhou a história dos animais: que tinham eles em comum com as paixões humanas, as revoluções, as crises económicas? Havia cavalos bastantes para os cavaleiros, bois diante das charruas, caça para os caçadores, mas os representantes da nossa espécie captavam toda a atenção; só eles sabiam falar, eventualmente escrever, e massacrar-se em nome de grandes ideais. Foi nos anos sessenta, quando surgiram os primeiros gritos de alarme do mouvimento ecologista, que a curiosidade dos historiadores, orientada para múltiplos objectos novos, se dirigiu para um domínio outrora reservado às ciências naturais.
(...)
No Ocidente, na Idade Média, os animais tornaram-se inseparáveis dos homens: alimento, fonte de energia e de matérias primas, mas também companheiros de vida e fonte inesgotável de um maravilhoso nem sempre muito cristão. Contudo, esta proximidade não poupou os animais à violência. No século XIX, depois da revolução agrícola e com a revolução industrial, mais do que nunca escravos para todo o serviço, sofreram o domínio implacável dos donos. «Toda a natureza, escreveu Michelet em Le Peuple, protesta contra a barbárie do homem que menospreza, avilta, que tortura o seu irmão inferior: ela acusa-o, perante Aquele que os criou a ambos.»
A novidade da nossa época é a atenção concedida a todas as espécies, incluindo os animais selvagens em vias de extinção. Talvez seja ainda uma maneira de nos interessarmos por nós-mesmos ou, por outras palavras, pela continuidade entre o animal e o homem.
L' Histoire, nº 338 (tradução da arcadajade)