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Tocou-lhe o tempo de forma mais dura
o branco pêlo.
Uma carícia negra, como os dias
que agora se encurtam, deixou imóvel
a sua forma de gato.
Era a hora de a casa perder
o seu mais sábio inquilino;
reordenar o lugar vazio que deixou
no canto da cozinha de onde se habituou
a ver passar o mundo, entre a Europa e a Ásia.
Tudo se torna agora mais sombrio.
Recolhem-se os seus despojos,
como quem reúne as ruínas de um sonho
ou pudesse atesourar o vazio.
Um frio silêncio como um intervalo
entre a paz e a guerra, se inicia
- a lição da morte, a que o tempo
pela sua repetição nos habitua.
Fecharam-se para sempre aqueles olhos amarelos
que seguiam os movimentos na casa.
E agora vivo com a distância que atravessa
a vida, a presença e o mistério da sua memória.
A noite perdeu o seu brilho felino, que juntava
a outros brilhos.
É agora um pátio mais escuro, onde os seus limites
de nada e completude se estreitam
sobre a razão e a sombra que a morte
em cada sua variação, derrota e cumpre.
Rui Miguel Ribeiro, em Joias de Família
Com a minha gratidão a Tecum. E celebrando - com um mês de atraso - o 2º aniversário desta Arca.