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Era uma vez um gato que tinha um homem guardado dentro de uma caixa de sapatos. Quando o gato partia à aventura pelos telhados, o homem vingava a sua ansiedade em alpista e frutos secos. Um dia, o gato deixou a caixa aberta e o homem fugiu para sempre. Escravo da sua (in)dependência, o pobre humano lembrava-se todas as noites do sabor das cascas de pinhão, do som da pele a roçar no cartão prensado, dos pêlos do gato. É isto a saudade.
Miguel Cardina em O Olho do Girino
Era uma jovem gata preta anónima,
talvez nunca tivesse sido mãe,
nem sequer era ainda adulto o corpo.
Hoje morreu de amor,
hoje amanheceu morta coberta de geada.
Talvez buscasse um gato parecido com ela.
Janeiro não deixou que cumprisse
o destino de ter filhos.
O corpo juvenil estava teso de gelo
frente à casa onde guardo a lenha
com que às vezes me aqueço.
Por perto não havia crianças
para um funeral digno, e o sol brilhava
gelado em minhas mãos que a sepultaram
no silêncio da terra, sozinhas, sem ninguém.
mb
O gato dorme a tarde inteira no jardim. Sonha (?) tigres enviesados a chamá-lo para a fraternidade no jardim. Gato sonhando, talvez sonho de homem? Continua dormindo, enquanto ignoro a natureza e o limite do seu sonho e por minha vez também me sonho (inveja) gato no jardim.
Carlos Drummond de Andrade