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Soberano

por arcadajade, em 30.05.04

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Leão, boca de fonte - Espanha, trabalho moçárabe, século XII 

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14:11

Dom Fuas

por arcadajade, em 25.05.04

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Morreu Dom Fuas, gato meu sete anos, 

pomposo, realengo, solene, quase inacessível,
na sua elegância desdenhosa de angorá gigante,
cendrado e branco, de opulento pêlo,
e cauda com pluma de elmo legendário.

Contudo, às suas horas, e quando acontecia
que parava em casa mais que por comer
ou visitar-nos condescentemente como
a duquesa de Guermantes recebendo Swann,
tinha instantes de ternura toda abraços,
que logo interrompia retornando
aos seus paços de império, ao seu olhar ducal.

Nunca reconheceu nenhuma outra existência
de gato que não ele nesta casa. Os mais
todos se retiravam para que ele passasse
ou para que ele comesse, eles ficando
ao longe contemplando a majestade
que jamais miou para pedir que fosse.

Andava adoentado, encrenca sobre encrenca,
e via-se no corpo e no opulento pêlo,
como no ar da cabeça quanta humilhação
o sofrimento impunha a tanto orgulho imenso.
Por fim, foi internado americanamente,
no hospital do veterinário. E lá,
por notícia telefónica, sozinho, solitário,
como qualquer humano aqui, sabemos que morreu.

A única diferença, e é melhor assim,
em tão terror ambiente de ser-se o animal que morre
foi não vê-lo mais. Porque ou nós morremos,
como dantes se morria em público,
a família toda, ou toda a corte à volta, ou
é melhor que se não veja no rosto de qualquer
- mesmo ou sobretudo no de um gato que era tão orgulhoso em vida -
não só a marca desse morrer sozinho de que se morre sempre
mesmo que o mundo inteiro faça companhia,
mas de outra solidão tecnocrata, higiénica
que nos suprime transformados em
amável voz profissional de uma secretária solícita.

Dom Fuas, tu morreste. Não direi
que a terra te seja leve, porque é mais que certo
não teres sequer ter tido o privilégio
de dormir para sempre na terra que escavavas
com arte cuidadosa para nela pores
as fezes de existir que tão bem tapavas,
como gato educado e nobre natural.
Nestes anos de tanta morte à minha volta,
também a tua conta. Nenhum mais
terá o teu nome como outros tantos gatos
antes de ti foram já Dom Fuas.

 

Jorge de Sena

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21:33

A favor da corrente

por arcadajade, em 20.05.04

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Poema Temporário do meu Tempo
(excerto)


A escrita hebraica e a escrita árabe vão de Oriente para Ocidente,
A escrita latina, de Ocidente para Oriente.
As línguas são como os gatos:
Não se devem acariciar contra a corrente do pelo.

Yehuda Amichai (1924-2000), poeta israelita

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22:14

Que dirás esta noite

por arcadajade, em 17.05.04

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Desta vez eu tenho um plano.
Vou crescer para ti como um gato,
aninhar-me como um gato no teu colo,
vou sussurrar coisas secretas ao teu ouvido,
prender o teu coração como uma sombra
ou um deus silencioso.
Esta noite, um saco de flores
para o meu único amor.
Um cigarro eternamente azul
para mim.


Rui Manuel Amaral, em Com faca e garfo, Colectânea de textos Jovens Criadores 2001, co-edição da Íman Edições e do Clube Português de Artes e Ideias, 2002

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18:40

Joalharia

por arcadajade, em 17.05.04

 

Três peças de Jean Cocteau

 

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00:26

Rendição

por arcadajade, em 16.05.04

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Vi, nos olhos do gato, a sua ira.
Crispadas,
suas mãos promoviam
o paradoxo do afago.
Retesados,
os músculos do felino
pronto para a fuga
denunciavam seu ânimo.

Como o bicho,
submeti-me às suas garras,
submisso que sou, por livre vontade,
para meu gozo perigoso,
aos seus desejos.

Vejo o seu sorriso vitorioso.
Compraz-me saber que, derrotado,
terei em troca o prazer:
prêmio de consolação, mais valioso
que o do orgulho da vitória.
Prefiro o seu carinho à glória
e o seu amuo.

Rendo-me e rio,
um riso íntimo
e silencioso
que a expressão não denuncie.

Fred Matos, Anomalias, Editora Kelps, Goiânia, 2002

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20:04

Ouro dos nómadas

por arcadajade, em 11.05.04

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Cultura Sakae - Peitoral, início do século V ou finais do século VI A.C. (Hermitage)





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Cultura Scythia - Emblema, início do século VI ou finais do século VII A.C. (Hermitage)

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12:46

O gato dos Maias

por arcadajade, em 10.05.04

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Renoir



Este pesado e enorme angorá, branco com malhas louras, era agora (desde a morte de «Tobias», o soberbo cão são-bernardo) o fiel companheiro de Afonso. Tinha nascido em Santa Olávia, e recebera então o nome de «Bonifácio»; depois, ao chegar à idade do amor e da caça, fora-lhe dado o apelido mais cavalheiresco de «D. Bonifácio de Calatrava»; agora, dorminhoco e obeso, entrara definitivamente no remanso das dignidades eclesiásticas, e era o «Reverendo Bonifácio»...



[...]



O «Reverendo Bonifácio», que desde que se tornara dignitário da Igreja comia com os senhores, lá estava já majestosamente sentado sobre a alvura nevada da toalha, à sombra de algum grande ramo. Era ali, no aroma das rosas, que o venerável gato gostava de lamber, com o seu vagar estúpido, as sopas de leite, servidas num covilhete de Estrasburgo. Depois agachava-se, traçava por diante do peito a fofa pluma da sua cauda, e de olhos cerrados, os bigodes tesos, todo ele uma bola entufada de pêlo branco malhado de oiro, gozava de leve uma sesta macia.



Eça de Queirós, Os Maias

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23:29

Já os gatos procuram nas sombras

por arcadajade, em 01.05.04

Já os gatos procuram nas sombras

refúgio para a tarde



- uma tão longa espera

e os olhos afinal tão mal preparados

para tão desmedido azul -



o céu finalmente aberto

de andorinhas.




em lugar da incerteza

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23:42